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Quando o exagero prevalece sobre a ciência.

Quando o exagero prevalece sobre a ciência.

O Director do Conselho Médico e Científico do Grupo OralMED fala-nos sobre o momento que vivemos.

Médico Dentista pronto para receber doentes

Recebi esta imagem de um colega, dizendo estar pronto para receber doentes:

Fiquei sem entender a razão ou a finalidade de tal, pois como doente ao ser recebido por alguém nesta figura, iria pensar que me estavam a esconder algo que implicasse tal uniforme. E como clínico, não me vejo de todo a conseguir exercer as minha funções com a precisão e concentração que as mesmas exigem, se tiver de me esconder por detrás de tanto exagero.

Muito deste exagero, deve-se ao desconhecimento e ao medo em que vivemos, perante uma epidemia que nos apanhou a todos de surpresa, embora a maior parte do medo relacionado com a mesma não tenha razão de ser, e felizmente aos poucos a ciência tem vindo a diminuir o intervalo do desconhecimento. Por exemplo, tenho notado que as preocupações em relação à protecção individual estão invertidas, senão vejamos:

Grupos de risco

Segundo a DGS, os grupos de risco para a Covid-19 são pessoas com idade avançada (65 anos ou mais), portadoras de doenças crónicas pré-existentes (doenças cardiovasculares, diabetes, doença crónica respiratória, hipertensão, doença oncológica) ou com sistema imunitário comprometido (tratamentos de quimioterapia, tratamentos para doenças autoimunes tais como artrite reumatoide, lúpus, esclerose múltipla ou algumas doenças inflamatórias do intestino e infeção VIH/sida). Estes grupos de risco estão bem identificados com base no padrão de mortes que ocorreram, com excepções algumas das quais sem justificação aparente, como o caso de morte de indivíduos jovens e saudáveis fora dos grupos de risco.

No relatório de situação nº 78 de 19/05/2020 da DGS podemos verificar o número de mortes ocorridos em Portugal até à data por idades.

Número de mortes ocorridos em Portugal até à data por idades

A vitima mais jovem pertence ao grupo etário 20-29 anos que de acordo com as declarações do subdirector-geral da Saúde, Diogo Cruz ao Diário de Noticias de 05/05/2020, era um cidadão do Bangladesh, de 29 anos, residente em Lisboa, mas que tinha outras duas patologias associadas, uma das quais hipertensão, sendo esta morte considerada uma excepção à regra, visto que a maioria das vítimas em Portugal têm mais de 80 anos e apresentam doenças já existentes. A mediana das idades dos óbitos nas mulheres situa-se nos 85 anos e nos homens é de 80 anos.

Na OralMED, e de acordo com o departamento de Recursos Humanos, a quem aproveito para agradecer a disponibilidade e colaboração, a média de idades de todos os colaboradores do grupo é de 32 anos, sendo a moda, ou seja a idade que mais se repete de 29 anos, muito longe da idade do grupo de risco. É obvio que independentemente da idade, alguns colaboradores podem ser de risco pela existência de alguma das doenças referidas.

Assim sendo, os cuidados que temos de ter em termos de protecção individual, são principalmente destinados aos doentes que pertencem aos grupos de risco, pois enquanto nós neste momento podemos ser positivos assintomáticos ou até já estarmos imunes, podemos passar o vírus ao doente que sendo de risco pode ficar infectado e contrair a doença. Se pelo contrário nós estivermos negativos e formos infectados pelo doente, a probabilidade de contrairmos a doença é extremamente baixa pois não pertencemos aos grupos de risco. Ou seja, todas as regras de protecção e EPI são demais importantes, mas devem de ser ponderadas e decididas principalmente no sentido de não infectarmos os nossos doentes, e não no sentido de sermos nós infectados, o que como já tive oportunidade de mencionar em posts anteriores, na minha opinião deveria de acontecer para adquirirmos imunidade de grupo.

Imunidade de grupo

Esta imunidade de grupo acontece quando a maior parte de uma população é imune a uma doença infeciosa por ter estado em contacto com o agente infecioso, originando assim uma protecção indirecta àqueles que não são imunes a essa doença. Por exemplo, se 80% de uma população é imune a determinado vírus, 4 em cada 5 pessoas que contactam com alguém doente, não serão infectados nem irão transmitir a doença. Desta forma, a transmissão da doença é mantida sob controle. De acordo com Gypsyamber D’Souza* professor de Epidemiologia na Bloomberg School, dependendo da capacidade de contágio da infecção, é necessário que 70% a 90% da população seja imune para se conseguir a imunidade de grupo a qual se consegue por duas vias, a infecção de grande parte da população ou através da administração de vacina.

Com a reabertura de sociedade o reforço da imunidade de grupo é inevitável, contudo, devido à capacidade letal do Covid-19, a exposição de grande parte da população ao vírus, tem de ser feita de forma cuidada e controlada, para não acontecer como na Suécia que ao não aplicar as medidas restritivas que Portugal adoptou acreditando apenas na imunidade de grupo, tem à data de hoje cerca do triplo de mortes que nós temos (3698/1231), numa população com número de habitantes semelhante. Tal poderá vir a ser significante se como todas as previsões indicam tivermos um novo surto no próximo inverno. Se tal acontecer, será interessante comparar a capacidade de resposta da população Portuguesa cuja imunidade de grupo vai ser menor em relação à Sueca.

Mapa da situação epidemiológica em Portugal Chegamos à conclusão obvia de que a imunidade de grupo não vai acontecer sem a ajuda da vacinação em massa, pois segundo o relatório de situação nº 78 de 19/05/2020 da DGS, o número de infectados ao dia de hoje é de 29432 sendo o de suspeitos desde o dia 1 de janeiro de 2020 de 298501, muito inferior à percentagem necessária. Assim, e visto que ainda não existe vacina nem atingimos a percentagem mínima necessária para a imunidade de grupo, teremos de continuar a adoptar uma postura responsável nos próximos tempos. Por outro lado, e de acordo com o professor Cláudio Sunkel especialista em biologia molecular e director do instituto de investigação e inovação em saúde da Universidade do Porto em entrevista à Rádio Renascença, o número de doentes nos cuidados intensivos tem vindo constantemente a diminuir, provando que do número de infectados que surgem, estes apresentam um quadro clínico com sintomas menos graves da doença, o que pode significar uma melhoria na capacidade de resposta ao vírus, tendo a certeza porém, que esta epidemia ainda se está apenas a revelar.

Posto isto, reconheço que na sua generalidade o Grupo OralMED está bem equipado para dar resposta às necessidades de protecção de todos os seus colaboradores e doentes, de acordo com as normas da OMD, mas que tais devem de ter em consideração o estado de saúde do doente que vamos tratar. Se este pertence a um dos grupos de risco, o qual já foi previamente abordado na triagem o acto médico que vamos realizar, bem como a zona do país em que exercemos a nossa actividade, pois como podemos verificar no mapa da situação epidemiológica em Portugal, segundo o relatório de situação nº 78 de 19/05/2020 da DGS a distribuição da doença não é homogénea.

Termino com a notícia do Expresso de dia 18/05/2020, segundo a qual a OMS anuncia que não é possível confirmar se vírus presente nas superfícies pode infetar humanos. Vamos esperar pela confirmação através da evidência científica, até lá só nos resta continuarmos a desinfectar todas as superfícies seguindo as normas da OMD.

Nuno Cintra (Director do Conselho Científico do Grupo OralMED Saúde) 
Dr. Nuno Cintra
Director do Conselho Médico e Científico
Grupo OralMED Saúde